quinta-feira, 23 de outubro de 2014

UM RETRATO MAGISTRAL - Guerra Junqueiro

Guerra Junqueiro
UM RETRATO MAGISTRAL FEITO HÁ 118 ANOS, MAS COM UMA ATUALIDADE ATERRADORA
 
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai;
um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,
da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador;
e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
 
Guerra Junqueiro, 1896.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO

16 / OUTUBRO
"O Dia Mundial da Alimentação, celebrado a 16 de outubro, em mais de 150 países, tem este ano como tema “Agricultura Familiar: Alimentar o mundo, cuidar do Planeta”, com o objetivo de chamar a atenção para a agricultura familiar, como por exemplo, as hortas comunitárias, e para os pequenos agricultores".
In (http://intranet/Paginas/Default.aspx), ULSBA,16 de Outubro de 2014. 

É natural que, um serviço de saúde como é a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (ULSBA), comemore o DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO e dê corpo a algumas iniciativas para assinalar a data.
 
No entanto, extrapolando estas comemorações para o nível Nacional, já não me parece tão normal que a agricultura familiar e a que é praticada por pequenos agricultores, venha agora a ser alvo de incentivos, quando foi literalmente morta pelos mesmos decisores que agora a querem relançar.
 
Os produtos alimentares produzidos numa agricultura familiar, numa horta comunitária e, na maioria dos casos, por pequenos agricultores, não são suficientes para o consumo dos seus produtores, quanto mais para "alimentar o mundo, e cuidar do Planeta".
 
Os que optam por produzir este tipo de alimentos (alface, couve, tomate, batata, etc.), precisam também de outros que não conseguem produzir, como são por exemplo, as massas, o peixe, algumas carnes, medicamentos, etc., etc.
 
Então, a solução que alguns ainda experimentaram, foi a de produzir um pouco mais do que lhes era necessário para o seu próprio consumo e vender o excedente, gerando assim alguma receita para poderem obter os produtos que não conseguissem produzir.
 
Foi aí que "estragaram tudo" e é aí que reside a hipocrisia de muitos responsáveis governamentais.
 
Para que podessem gerar essa pequena receita, teriam que se coletar nas Finanças - essa sanguessuga -, pagar a um contabilista que lhe organizasse a "escrita", passar faturas e recibos aos seus eventuais clientes, enfim, comportarem-se como bons contribuintes.
 
Ora isso fez com que, muitos deles, resolvessem abandonar de vez a pequena agricultura e a agricultura familiar.
 
Quanto às hortas comunitárias, que funcionam mais em cidades maiores, lá se vão mantendo, umas por necessidade de diminuir as despesas mensais, outras porque passou a ser "chique" ir para a horta....
 
Não me parece que a Economia do país sofresse assim tanto, se os que sobrevivessem da agricultura familiar, não pagassem impostos sobre "meia dúzia" de alfaces ou de tomates que eventualmente vendessem aos vizinhos.
 
Parece-me que assim, não daremos um grande contributo para Alimentar o mundo e cuidar do Planeta.
 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

RECEÇÃO AOS NOVOS ALUNOS - CLA de Reguengos


SPAUTORES - INFORMAÇÃO 2


SPAUTORES - INFORMAÇÃO 1





quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Ruy de Carvalho abriu os olhos

Ruy de Carvalho
Ruy de Carvalho é, nos dias que correm, um homem que, finalmente, aprendeu com quem estava a lidar. Bateu-lhe à porta. E à porta de outros irá ainda bater. Para que também aprendam.

Num texto publicado ontem no Facebook, o veterano ator revela-se indignado com o ministério das Finanças, que acusa de "institucionalizar o roubo", perante "o silêncio do Primeiro-Ministro e os olhos baixos do Presidente da República".

Ruy de Carvalho esclarece que decidiu manifestar a sua indignação depois de ter recebido uma carta das Finanças que indica que já não é "artista" e passou a ser apenas "prestador de serviços", deixando de ter direitos conexos e de propriedade intelectual.

Eis a carta:



Senhores Ministros:

Tenho 86 anos, e modéstia à parte, sempre honrei o meu país pela forma como o representei em todos os palcos, portugueses e estrangeiros, sem pedir nada em troca senão respeito, consideração, abertura - sobretudo aos novos talentos - e seriedade na forma como o Estado encara o meu papel como cidadão e como artista.

Vivi a guerra de 38/45 com o mesmo cinto com que todos os portugueses apertaram as ilhargas. Sofri a mordaça de um regime que durante 48 anos reprimiu tudo o que era cultura e liberdade de um povo para o qual sempre tive o maior orgulho em trabalhar. Sofri como todos, os condicionamentos da descolonização. Vivi o 25 de Abril com uma esperança renovada, e alegrei-me pela conquista do voto, como se isso fosse um epítome libertador.

Subi aos palcos centenas, senão milhares de vezes, da forma que melhor sei, porque para tal muito trabalhei.

Continuei a votar, a despeito das mentiras que os políticos utilizaram para me afastar do Teatro Nacional. Contudo, voltei a esse teatro pelo respeito que o meu público me merece, muito embora já coxo pelo desencanto das políticas culturais de todos os partidos, sem excepção, porque todos vós sois cúmplices da acrescida miséria com que se tem pintado o panorama cultural português.

Hoje, para o Fisco, deixei de ser Actor... e comigo, todos os meus colegas Actores e restantes Artistas deste país - colegas que muito prezo e gostava de poder defender.

Tudo isto ao fim de setenta anos de carreira! É fascinante.
Francamente, não sei para que servem as comendas, as medalhas e as Ordens, que de vez em quando me penduram ao peito?

Tenho 86 anos, volto a dizer, para que ninguém esqueça o meu direito a não ser incomodado pela raiva miudinha de um Ministério das Finanças, que insiste em afirmar, perante o silêncio do Primeiro-Ministro e os olhos baixos do Presidente da República, de que eu não sou actor, que não tenho direito aos benefícios fiscais, que estão consagrados na lei, e que o meu trabalho não pode ser considerado como propriedade intelectual.

Tenho pena de ter chegado a esta idade para assistir angustiado à rapina com que o fisco está a executar o músculo da cultura portuguesa. Estamos a reduzir tudo a zero... a zeros, dando cobertura a uma gigantesca transferência dos rendimentos de quem nada tem para os que têm cada vez mais.

É lamentável e vergonhoso que não haja um único político com honestidade suficiente para se demarcar desta estúpida cumplicidade entre a incompetência e a maldade de quem foi eleito com toda a boa vontade, para conscientemente delapidar a esperança e o arbítrio de quem, afinal de contas, já nem nas anedotas é o verdadeiro dono de
Portugal: nós todos!

É infame que o Direito e a Jurisprudência Comunitárias sirvam só para sustentar pontualmente as mentiras e os joguinhos de poder dos responsáveis governamentais, cujo curriculum, até hoje, tem manifestamente dado pouca relevância ao contexto da evolução sociocultural do nosso povo. A cegueira dos senhores do poder afasta-me do voto, da confiança política, e mais grave ainda, da vontade de conviver com quem não me respeita e tem de mim a imagem de mais um velho, de alguém que se pode abusiva e irresponsavelmente tirar direitos e aumentar deveres.

É lamentável que a senhora Ministra das Finanças, não saiba o que são Direitos Conexos, e não queiram entender que um actor é sempre autor das suas interpretações - com direitos conexos, e que um intérprete e/ou executante não rege a vida dos outros por normas de "excel" ou por ordens "superiores", nem se esconde atrás de discursos catitas ou tiradas eleitoralistas para justificar o injustificável, institucionalizando o roubo, a falta de respeito como prática dos governos, de todos os governos, que, ao invés de procurarem a cumplicidade dos cidadãos, se servem da frieza tributária para fragilizar as esperanças e a honestidade de quem trabalha, de quem verdadeiramente trabalha.

Acima de tudo, Senhores Ministros, o que mais me agride nem é o facto dos senhores prometerem resolver a coisa, e nada fazer, porque isso já é característica dos governos: o anunciar medidas e depois voltar atrás. Também não é o facto de pôr em dúvida a minha honestidade intelectual, embora isso me magoe de sobremaneira. É sobretudo o nojo pela forma como os seus serviços se dirigem aos contribuintes, tratando-nos como criminosos, ou potenciais delinquentes, sem olharem para trás, com uma arrogância autista que os leva a não verem que há um tempo para tudo, particularmente para serem educados com quem gera riqueza neste país, e naquilo que mais me toca em especial, que já é tempo de serem respeitadores da importância dos artistas, e que devem sê-lo sem medos e invejas desta nossa capacidade de combinar verdade cénica com artifício, que é no fundo esse nosso dom de criar, de ser co-autores, na forma, dos textos que representamos.

Permitam-me do alto dos meus 86 anos deixar-lhes um conselho:
aproveitem e aprendam rapidamente, porque não tem muito tempo já.
Aprendam que quando um povo se sacrifica pelo seu país, essa gente, é digna do maior respeito... porque quem não consegue respeitar, jamais será merecedor de respeito!

RUY DE CARVALHO